terça-feira, 4 de setembro de 2018

ONU iniciará negociações para um tratado que proteja o alto-mar



Os Estados-membros da ONU iniciarão nesta terça-feira (4) a preparação para 2020 de um tratado sobre o alto-mar, que representa quase a metade da superfície do planeta, mas que carece de uma proteção ambiental adequada. As conversas acontecerão durante quatro sessões, cada uma de duas semanas de duração, ao longo dos próximos dois anos, visando proteger a biodiversidade marinha e para evitar que os oceanos se degradem ainda mais.
“As negociações serão sobre os espaços que estão além das jurisdições nacionais ou áreas que não pertencem a nenhum país em particular”, explicou Julien Rochette, do Instituto para o Desenvolvimento Sustentável e de Relações Internacionais (Iddri, com sede em Paris). A agenda se centrará “no alto-mar e na zona internacional de águas marinhas, ou seja, de cerca de 46% da superfície do planeta”, acrescentou.
Em 1982, a ONU adotou uma convenção sobre o direito ao mar, mas deixou o alto-mar sem regulação. “Todos os Estados exercem as suas liberdades tradicionais de navegação, sobrevoos, pesquisa científica e pesca em alto-mar”, assinala o texto. O documento entrou em vigor em 1994, sem a participação dos Estados Unidos.
Desde então, o transporte marítimo se expandiu consideravelmente e os recursos no oceano profundo despertaram grandes interesses, seja para a pesca ou para a extração mineradora. ”A vida marinha já está desequilibrada pelo impacto da pesca industrial, a mudança climática e outras indústrias extrativistas. Temos uma responsabilidade compartilhada para proteger os nossos oceanos antes que seja tarde demais”, declarou Sandra Schoettner, da organização Greenpeace.
O futuro tratado deve, principalmente, criar áreas protegidas em alto-mar, favorecer a distribuição dos recursos marítimos genéricos e os estudos de impacto ambiental, assim como reforçar as capacidades e a transferência de tecnologias. Espera-se que alguns países que praticam a caça de baleias, como Japão, Islândia e Noruega, sejam mais prudentes sobre o tratado por temerem que estabeleçam estritas restrições à pesca, indicou Rochette.
Os Estados Unidos também são reticente ao tratado “porque se opõem a todo tipo de regulação dos recursos marinhos genéticos e não ratificaram a convenção da ONU sobre o direito ao mar. A Rússia também esteve arrastando os pés por longo tempo”, detalhou o especialista do Iddri. A especialista em oceanos Liz Karan, da ONG Pew Charitable Trusts (com sede nos EUA), as negociações representam um “ponto decisivo”. “Agora entendemos muito mais sobre a interdependência do mundo dos oceanos com a saúde do planeta”.
Para Schoettner, “a vida de nossos mares depende do resultado dos próximos dois anos de negociações, desde o menor plâncton aos golinhos, às tartarugas e às grandes baleias”. ”Um tratado mundial forte permitirá que criemos uma rede de santuários oceânicos para proteger a fauna, garantir a segurança alimentar de bilhões de pessoas e ajudar a lutar contra a mudança climática”, acrescentou.

Fonte: JB

O que a ciência perde com a tragédia no Museu Nacional



 A instituição bicentenária contava com coleções de diferentes domínios do conhecimento, como arqueologia, antropologia, zoologia, botânica, geologia e paleontologia. Estudiosos ouvidos pela reportagem concordam que os danos são irreparáveis para o conhecimento da história e da cultura não apenas do Brasil, mas da humanidade.
A professora do Departamento de Paleontologia e Estratigrafia da UFRGS Marina Bento Soares viajou ao Rio para acompanhar o caso.
— O clima está muito triste — relata. — Os funcionários, professores, técnicos, enfim, todos que chegam aqui estão chorando, abraçando-se desolados. A gente olha para a frente do Museu e vê uma carcaça. São paredes ocas, nada mais.
Marina, que é mulher do diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner, nota que o prédio necessitava de reforma há muito tempo, mas apenas recentemente havia obtido investimento de R$ 21,7 milhões do BNDES. A verba, lembra a professora, seria direcionada justamente para reforma na parte elétrica, de manutenção e prevenção a incêndio. Para ela, a tragédia foi reflexo de décadas de descaso de diferentes governos. Alimenta, no entanto, a expectativa de que algumas coleções tenham permanecido intactas:
— Tem-se a esperança de que alguns setores não tenham sido tão atingidos, como algumas coleções que estavam naqueles armários de aço, que são bem resistentes. Mas ninguém sabe ainda. Não se tem a dimensão. Vai começar um trabalho com o Corpo de Bombeiros de entrar lá e mexer nos escombros para tentar resgatar o que sobrou.
Com a repercussão, o Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Museus (ICOM) recebeu manifestações de solidariedade de diferentes partes do mundo. A presidente do ICOM Brasil, Renata Motta, observa que uma pauta como a da preservação da memória e do patrimônio pode parecer “distante” diante das urgências da sociedade brasileira nesse momento de crise política e institucional, mas que esta tragédia pode ajudar a entender melhor as escolhas que estão sendo feitas:
— O montante para a preservação dos nossos acervos é proporcionalmente menor do que investimentos em outras áreas. Portanto, se for planejado, podemos investir de forma efetiva para que novas tragédias não ocorram.
Renata acrescenta que o Museu Nacional não apenas tem 200 anos de história como exibe características “muito específicas”, por abrigar acervos de diferentes naturezas:
— De fato, é uma perda que ainda não conseguimos mensurar.
O doutor em História da Arte José Francisco Alves, membro do ICOM e ex-curador-chefe do Margs, conta que encontrou o Museu em situação precária já em 2009, quando o visitou:
— Lembro de um sarcófago egípcio de pedra, todo pintado, que estava pegando sol. As janelas estavam abertas, e o ar do Rio entrava na sala. Fiquei horrorizado, é algo impensável, sem o mínimo de climatização na sala.
Alves define o acervo do Museu como “eclético”, envolvendo ciência, cultura e arte:
— É uma catástrofe cultural, mas também arquitetônica, pois não podemos esquecer a importância do prédio em si. Se for reconstruído, não será uma restauração, mas quase uma reciclagem.
Curador da exposição Etnos — Faces da Diversidade, com máscaras de diferentes culturas e regiões, em cartaz no Santander Cultural, em Porto Alegre, Marcello Dantas lembra que algumas coleções jamais serão recuperadas:
— Múmias egípcias e máscaras africanas até temos em outras partes do mundo, mas as coleções de etnologia e arqueologia do Museu Nacional eram únicas. Aquele acervo pré-colombiano, indígena brasileiro e arqueológico das Américas não existe em lugar algum. E isso não tem como repor.
Para Dantas, o vínculo com a matriz brasileira perdido na tragédia é “gigante”:
— Não estou falando de 500 anos, mas de 5 mil anos de histórias profundas sobre o que é viver dentro desse contexto que é o Brasil. As pesquisas feitas ali dentro eram excepcionais, de primeira qualidade e de referência mundial. É uma perda absurda para a humanidade.

Fonte: GauchaZH