terça-feira, 19 de janeiro de 2016

China e petróleo exibem os perigos de hipóteses econômicas de longo prazo



Os preços dos imóveis nunca caem. Os países da zona do euro sempre pagam suas dívidas. A Arábia Saudita não vai permitir que o preço do petróleo despenque. A demanda da China por matérias-primas é infinita.
Estas são algumas das premissas mais acalentadas por investidores e formuladores de políticas nos últimos dez anos, premissas que sustentaram trilhões de dólares em investimentos e dívidas. A explosão da bolha imobiliária dos Estados Unidos e a crise de dívida da zona do euro demonstraram a devastação que ocorre quando essas premissas se mostram equivocadas.
Algo parecido pode estar acontecendo agora. Uma forte desaceleração do setor industrial da China e uma queda expressiva nos preços do petróleo pegaram investidores, empresas e líderes políticos de surpresa. Isso não significa que uma crise ou recessão esteja à espreita. Mas pode significar que a economia dos EUA e os mercados irão sentir um golpe maior do que pode ser explicado pela relativa importância que a China ou o petróleo têm.
As exportações para a China representam menos de 1% do produto interno bruto americano. Os EUA também são um importador líquido de petróleo, então uma queda nos preços deveria ser positiva.
Ainda assim, alguns economistas estimam que a economia americana no quarto trimestre do ano passado tenha crescido a uma taxa anual de apenas 0,5%. O setor manufatureiro pode já estar em recessão: por dois meses, o índice do Instituto de Gerentes de Compras da indústria ficou abaixo de 50 pontos, a linha divisória entre expansão e contração.
Até o fechamento do pregão ontem, a bolsa de valores americana registrava queda de cerca de 10% ante sua máxima, enquanto a Média Dow Jones do setor de transportes e o índice Russel 2000 de ações de pequenas empresas, ambos sensíveis ao momento econômico, recuavam em torno de 24% e 19%, respectivamente.
A culpa por esse sentimento ter mudado tão drasticamente pode estar aqui.
A China é o maior consumidor mundial de muitas commodities. Até outubro de 2015, o país era responsável por cerca de metade do consumo mundial de alumínio, cobre, níquel e zinco, segundo a BCA Research, uma consultoria de investimento. Em 2012, o Fundo Monetário Internacional previu que a China cresceria a uma média de 8,6% entre 2015 e 2017. Esse cenário levou muitos fornecedores a ampliar sua capacidade, presumindo que o apetite da China cresceria indefinidamente.
O que eles não perceberam é que os próprios líderes chineses concluíram que aquele crescimento, gerado por empréstimos em excesso, era insustentável. Estima-se que a China tenha crescido 7% no ano passado, e a meta informal do governo para este ano é de apenas 6,5%, percentual que muitos economistas do setor privado consideram alto demais. Além disso, os setores da economia que mais consomem commodities — como a indústria pesada e da construção — estão liderando a desaceleração.
“Os investimentos na exploração de matérias-primas foram baseados em uma extrapolação linear da demanda da China que se mostrou otimista demais”, diz Jason Thomas, diretor de pesquisa da firma de private equity Carlyle Group.
Os EUA não vendem muitas commodities diretamente à China, mas vendem coisas para países que exportam para os chineses. O crescimento deles caiu junto com os preços das commodities, houve fuga de capital, o que desvalorizou suas moedas e impulsionou o dólar, dificultando as exportações americanas.
A reversão do sentimento em relação ao petróleo foi ainda mais drástica. De 2011 até o início de 2014, o Brent quase sempre era cotado acima de US$ 100 por barril. “Você tinha a ilusão que [o preço] era sustentável porque a volatilidade era muito baixa”, diz Paul Cheng, analista do Barclays. “No início de 2014, a premissa geral do setor era que [o preço] não poderia cair abaixo de US$ 90, porque ele seria defendido pela Arábia Saudita.”
Isso impulsionou um boom de projetos elaborados considerando o preço do barril entre US$ 80 e US$ 100, além de empréstimos e emissões de títulos de dívida que avaliavam as reservas das empresas com base também nesses valores. Thomas estima que o setor de energia seja responsável por cerca de 70% do crescimento da capacidade industrial americana entre 2009 e 2014.
Mas, no fim de 2014, a Arábia Saudita parou de defender o preço do petróleo e elevou sua produção para tentar recuperar participação de mercado dos EUA. A produção americana de petróleo de xisto está demorando para cair, mas os investimentos despencaram.
De fato, embora a produção de carros dos EUA tenha crescido no ano passado para atender a demanda dos compradores de caminhonetes, grandes consumidoras de gasolina, Thomas destaca que essa alta foi mais que anulada por um colapso nos pedidos de peças industriais, ferramentas de precisão, motores, transmissores, bombas e outros bens “intermediários” para a cadeia de produção global de commodities.
A situação atingiu o sistema financeiro. A rentabilidade dos títulos de dívida das petrolíferas disparou e bancos menores estão divulgando reservas significativas contra o risco dos empréstimos feitos a essas empresas. O estresse se espalhou para outras companhias: a rentabilidade dos títulos emitidos por empresas de outros setores subiram de 5,3% em meados de 2014 para 7,7% atualmente.
Como a produção por trabalhador é muito mais elevada nos setores de manufatura e de mineração que no setor de serviços, o recuo nesses setores afeta mais o PIB que o nível de emprego. O crescimento da China parece ter se estabilizado. Mas, apesar de os EUA parecerem ter escapado da recessão, este ano ainda deve fornecer outra lição sobre o risco de se assumir uma premissa como uma certeza.

Fonte: WSJB

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