sexta-feira, 1 de abril de 2016

Devemos dar voz à comunidade técnica”, sustenta Sayão, durante evento sobre barragens de rejeitos em SP


O rompimento da barragem do Fundão, de rejeitos de minérios, ocorrida em novembro de 2015 no município de Mariana (MG), produziu 19 vítimas fatais, destruiu regiões inteiras e causou o maior acidente ambiental da história do país. Para a comunidade técnica, a quem cabe estudar a fundo as causas do acidente para evitar que situações semelhantes ocorram no futuro, o mais importante agora é promover um debate sério e desapaixonado sobre o que aconteceu com a barragem de rejeitos da mineradora Samarco.
E foi com esse objetivo que a ABMS, a ANE, e o Comitê Brasileiro de Barragens (CBDB) vêm realizando debates pelo país. O mais recente aconteceu em São Paulo no dia 9 de março, na sede do Instituto de Engenharia. Coordenado por Alberto Sayão, presidente da Comissão Técnica de Barragens da ABMS e ex-presidente da Associação, além de professor da PUC-Rio, os encontros vêm merecendo a atenção da comunidade técnica. Em São Paulo, o evento contou com 190 presentes e mais 280 pessoas que acessaram a reunião via internet.
“Esse evento chamou muito a atenção dos engenheiros”, declara Sayão. “No entanto, a falta de informações sobre as investigações do incidente e a escassez de canais de comunicação adequados para que os profissionais contribuam com opiniões ainda atrapalham a compreensão do que de fato aconteceu”. Para suprir essas necessidades, a ABMS vem coordenando os Debates sobre Segurança de Barragens de Rejeitos. Após a realização do primeiro evento no Rio de Janeiro, em dezembro de 2015, a segunda edição do debate chegou a São Paulo no dia 9 de março de 2016, com apoio do Núcleo São Paulo da ABMS e do Instituto de Engenharia.
Outras edições do encontro deverão acontecer em outras capitais do Brasil ainda este ano. “Atualmente, a norma sobre as barragens para contenção de rejeitos está sendo reavaliada”, esclarece Sayão. “É preciso mudar algumas práticas para devolver à engenharia a segurança necessária para esse tipo de obra”. Ele lembra que “uma engenharia mais segura de suas práticas transmite mais tranquilidade à população”. Por isso, aponta o professor, “queremos discutir sugestões sobre o que se mudar na prática das barragens de rejeitos para tornar as obras mais seguras”.

Palestras

A abertura do evento ficou por conta dos engenheiros Camil Eid e Miriana Marques, presidente e vice-presidente do Instituto de Engenharia. As sessões técnicas tiveram a coordenação do engenheiro Alberto Sayão. O primeiro painel foi apresentado pelo engenheiro Carlos Henrique Medeiros, diretor do CBDB e associado da ABMS, que abordou a Lei de Segurança de Barragens. Sancionada em 2010, a lei que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens (Lei nº 12.334/10) regulamenta os planos de segurança que devem ser seguidos pelo empreendedor em relação à construção de barragens de acumulação de água, mas não versa sobre punições a quem desrespeitar a regulamentação.
“Isso porque já existe arcabouço legal que dê suporte às punições, como as leis ambientais, a lei de responsabilidade fiscal e até mesmo o próprio Código Civil brasileiro”, explicou Medeiros. Para ele, é necessário tempo para que as empresas comecem a seguir a regulamentação. “A Lei de Segurança de Barragens tem seis anos, é uma lei nova. As empresas estão se estruturando, montando equipes de segurança, preparando pessoal. Alterar a Lei neste momento, em função dos acontecimentos em Mariana, como alguns sugerem, não é uma boa ideia na minha opinião”, afirmou Carlos Henrique . A luta por uma regulamentação na área de segurança de barragens, no entanto, não é recente.
“O CBDB lutou por mais de 30 anos por essa regulamentação. Infelizmente, a Lei de Segurança de Barragens só veio a ser realmente discutida de 2003 para cá, depois de um acidente importante que aconteceu na cidade de Cataguases, em Minas Gerais, em que uma barragem de rejeitos industriais se rompeu”, explicou Medeiros.

Legislação e Responsabilidades

O segundo painel sobre Responsabilidades e Legislação foi apresentado pelo advogado Sérgio Jacques de Moraes, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), que explicou algumas características da Lei. Logo após, foi a vez da presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), engenheira Marilene Ramos, abordar os Aspectos Ambientais e as Ações do IBAMA em relação às consequências ambientais do incidente. “Tudo o que havia de vida por onde a lama passou foi dizimado”, lembrou Marilene Ramos.
A partir de uma explicação técnica, a engenheira abordou os planos de ações reparatórios combinados pelo Ibama junto à Samarco e aos demais órgãos de proteção ambiental, que criaram grupos de trabalho para a recuperação ambiental em curto prazo. “Mesmo com os grupos de trabalho e o Programa Reparatório, de responsabilidade da empresa, há danos que são irreparáveis. Por isso estabelecemos as Medidas Compensatórias, que são ações para melhorar a qualidade ambiental do meio, como a regeneração florestal, a recuperação de nascentes, dentre outras”.
Segundo Marilene, essas medidas vão exigir recursos de pelo menos R$ 4 bilhões. Ao final de sua explanação, Marilene Ramos fez uma ressalva: “De um modo geral, as construções de barragens de rejeitos não têm como preocupação principal as questões ambientais. Essa visão precisa mudar”.

Acidentes no Brasil e pelo mundo

Em seguida, deu-se início à sessão de perguntas, com moderação de Alberto Sayão. A palestra de encerramento foi ministrada pelo engenheiro Joaquim Pimenta de Ávila , associado da ABMS e do CBDB, sobre o tema Acidentes em Barragens de Rejeitos no Brasil. Ávila abordou em sua palestra alguns acidentes de barragens pelo Brasil e pelo mundo. De acordo com o engenheiro, que atua como projetista e consultor na área, acontecem, em média, dois acidentes graves por ano no mundo, envolvendo rompimento de barragens de rejeitos.
“Na maioria das vezes, as causas desses acidentes incluem situações já conhecidas pela engenharia”, diz. “O porquê de ser difícil evitar esses acidentes é uma indagação a ser feita. Entretanto, hoje parece estar claro que os problemas são organizacionais. Outra explicação provável é a falta de compromisso da administração das empresas em prover os recursos necessários para a segurança das barragens”. Ávila acredita também que a fiscalização das barragens é precária. “Mesmo quando há fiscalização, é muito deficiente”, declara. “Para solucionar esses problemas, temos que ter mais pessoal para fiscalizar, padronizar as auditorias e melhorar a estrutura organizacional voltada à operação de estrutura das barragens”.
Em sua palestra, o engenheiro propôs uma possível solução técnica: o desaguamento dos rejeitos. “Já existe uma técnica que retira a água dos rejeitos de mineração, transformando-os em rejeitos secos. Isso reduziria o problema de rompimentos de barragens por causa de lama, já que não existiria mais água”, aponta. “Acredito que a aplicação dessa técnica já é economicamente possível”. Após as perguntas finais, o jornalista Nildo Oliveira fez a sua avaliação final. O encerramento do evento ficou por conta do discurso do engenheiro Francis Bogossian, ex-presidente da ABMS e ex-presidente do Clube de Engenharia.
Em sua fala, Bogossian levantou reflexões sobre as práticas adotadas pelas empresas de engenharia de barragens e sugeriu o desenvolvimento de uma carta aberta à Presidência da República com sugestões das principais entidades da engenharia. “O objetivo dessa carta é fazer com que a lei seja cumprida, enfatizando que nós dispomos de pessoal e meios técnicos para isso”, declarou Bogossian. “Temos bons profissionais, bons consultores e empresas especializadas nessa área. Não há porque deixar que um acidente como esse aconteça para então consertar o erro. A prevenção para esses acidentes custa, no máximo, 10% do que hoje é gasto em mitigação. Por isso, é fundamental deixar isso claro para o governo e as autoridades, para que juntos possamos cobrar as empresas para que sigam as regulamentações e para que cuidem da segurança de suas barragens”.

Fonte: ABMS

Nenhum comentário:

Postar um comentário